Ricardo Leandro (Nazaré, 1982) vive e trabalha em Lisboa. Licenciou-se em Artes Visuais pela Universidade de Évora em 2009 e concluiu o mestrado em Arte Multimédia na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa em 2024. Em 2007, foi finalista do concurso nacional de arte contemporânea – Anteciparte – com uma peça de vídeo/performance, que foi adquirida pela Coleção António Cachola (MACE). Desde 2008, tem desenvolvido projetos artísticos, colectivos e individuais, nas áreas da videoarte e da performance musical. Entre 2010 e 2014, trabalhou em publicidade enquanto editor off-line e realizou, filmou e desenvolveu grafismos para televisão. Em 2022 e 2023, foi finalista do Festival Internacional de Vídeo Arte de Lisboa (Fuso) e participou no Festival d’Automne em Paris numa exposição colectiva sobre a obra do artista português Ernesto de Sousa (2022). Concluiu recentemente um projeto sobre o conceito de obra transmedia, apresentando trabalhos individuais de desenho, arte sonora, fotografia, vídeo, performance, RV e IA.
Quando surgiu a ideia de fazer uma instalação artística sobre o som da onda gigante da Praia do Norte?
A ideia surgiu durante a pandemia, quando li um artigo sobre paisagens sonoras, um tema que voltou a ser discutido devido ao silêncio que invadiu as cidades, a inexistência de trânsito e de pessoas. Isso fez-me refletir sobre o impacto do som no nosso dia a dia e como ele molda a nossa experiência nos espaços urbanos. No caso da Praia do Norte, o som majestoso das ondas foi sendo gradualmente abafado pela crescente presença humana, com o turismo, os jet skis, os drones, o trânsito, e o desenvolvimento da região. Estes elementos transformaram a paisagem sonora deste local, tornando difícil apreciar o som natural da zona e particularmente do impacto sonoro das ondas gigantes, que agora se misturam com todos esses ruídos.
Quais as principais características do som da Praia do Norte?
O som do mar é a marca sonora da Nazaré, sendo o som das ondas a quebrar na Praia do Norte um elemento icónico e intransferível, que não pode ser partilhado através de imagens ou vídeos. Da mesma forma, a conexão emocional entre a comunidade nazarena e o mar transcende a simples representação visual. Essa relação emocional é, em grande parte, mediada pelo som que atua como um elo simbólico e sensorial entre a comunidade e o
oceano.
Quando eu era criança, tinha medo da Praia do Norte. Lembro-me dela como um lugar vasto, vazio e com um som ensurdecedor. Naquele tempo, o barulho do vento e das ondas parecia mais forte e assustador. Sem a presença de pessoas, a Praia do Norte transmitia uma sensação de respeito e imponência muito mais forte, talvez porque gostávamos de a imaginar como uma praia indomável.
Como se consegue recuperar um lugar indomável?
Há dois anos, no decorrer do meu mestrado em Arte Multimédia, decidi ir até à Praia do Norte durante a madrugada, para um breve exercício de escuta. O que gravei nessa noite trouxe de volta aquele medo antigo que me aterrorizava da cabeça aos pés. Aquele som envolto naquela escuridão, para além de medo e insegurança, reforçaram a minha admiração e respeito por aquele sítio. Foi ali que voltei a descobrir a grandiosidade desta paisagem sonora, e fiz do seu restauro o meu projeto final de mestrado.
Um restauro sonoro?
Sim, pode-se dizer que houve um trabalho de restauro sonoro. Através de várias sessões de field recording, fui identificando ruídos e cataloguei-os como imperfeições. Estas imperfeições, que de alguma forma simbolizam um desgaste emocional, tendem a afastar-nos daquele ambiente natural. São por isso eliminadas na fase de pós-produção.
A composição sonora final desta nova paisagem sonora tem agora a forma de um objecto artístico e encontra no som da onda gigante o seu ponto mais alto. Por isso considero que o trabalho de captação e pós-produção, um exercício de restauro sonoro, uma vez que o resultado final, aquele que apresento hoje ao público é o de uma Praia do Norte renovada, que se aproxima da sua era pré-Antropoceno.
Qual é o propósito de restaurar as paisagens sonoras, e qual foi o processo criativo relativamente à captação do ambiente sonoro da Praia do Norte?
Restaurar uma paisagem sonora é uma forma de recuperar a conexão emocional com um lugar, trazendo de volta os sons originais que se perderam ou foram sendo eliminados.
Para captar o som da Praia do Norte, fiz várias gravações de campo, cobrindo toda a área desde o ponto mais a norte da praia até à zona de maior rebentação junto ao forte. Durante estas gravações foi possível recolher uma imensidão de sons que fizeram do exercício de escuta, a parte mais interessante de todo o processo.
Assim como no restauro de uma pintura, a proposta é transformar essas gravações, que capturam uma paisagem sonora ruidosa, em algo mais polido, permitindo apresentar ao público uma paisagem sonora recondicionada.
Onde entra a onda gigante na tua instalação?
A instalação foi pensada como um concerto, com o som da onda a servir como um encore, encerrando essa experiência de escuta.
O som da onda gigante é apresentado através de uma estrutura vertical que pode atingir os 7 metros de altura — ou o que o espaço permitir — e que simula a sua formação e rebentação a partir de um design sonoro escultórico. Com a valiosa colaboração do meu amigo e sound designer Elvis Veiguinha, trabalhei nas dinâmicas dos sons captados, utilizando volumes exagerados que são fundamentais para criar uma experiência intensa e cinematográfica.
Até onde pode chegar o som desta “Onda Exportada”?
Pode chegar a todo o lado. Brasil, Japão, Canadá…os vídeos e fotografias desta onda já deram a volta ao mundo abrindo noticiários, fazendo capas de jornais e até outdoors publicitários na Times Square em Nova Iorque…se a imagem desta onda conseguiu chegar a tanta gente, acredito que o seu som também possua esse potencial.
Neste momento esta instalação sonora pode ser ouvida na bonita vila de Meymac, no interior de França, na trigésima edição da exposição Première. É uma exposição coletiva que reúne obras de artistas extraordinários, cuja originalidade e audácia conquistaram minha admiração. Vai estar no Centro de Arte Contemporânea em Meymac, de 20 de outubro de 2024 a 12 de janeiro de 2025.
ENG
Ricardo Leandro (Nazaré, 1982) lives and works in Lisbon. He graduated in Visual Arts from the University of Évora in 2009 and completed his master’s degree in Multimedia Art at the Faculty of Fine Arts of the University of Lisbon in 2024. In 2007, he was a finalist in the national contemporary art competition – Anteciparte – with a video/performance piece, which was acquired by the António Cachola Collection (MACE). Since 2008, he has developed artistic projects, both collective and individual, in the areas of video art and musical performance. Between 2010 and 2014, he worked in advertising as Offline Editor and Young Director and directed, filmed and developed graphics for television programs. In 2022 and 2023, he was a finalist at the Lisbon International Video Art Festival (Fuso) and took part in the Festival d’Automne in Paris in a group exhibition on the work of Portuguese artist Ernesto de Sousa (2022). He recently completed a project on the concept of “transmedia work”, presenting individual works of drawing, sound art, photography, video, performance, VR and AI.
When did you come up with the idea of making an art installation about the
sound of the giant wave at Praia do Norte?
The idea came to me during the pandemic, when I was reading an article about soundscapes, a topic that has once again been discussed due to the silence that has invaded the cities, the absence of traffic and people. This made me reflect on the impact of sound on our daily lives and how it shapes our experience in urban spaces.
In the case of Praia do Norte, the majestic sound of the waves has gradually been drowned out by the growing human presence, with tourism, jet skis, drones, traffic and the development of the region. These elements have transformed the soundscape of this place, making it difficult to appreciate the natural sound of the area and particularly the sonic impact of the giant waves, which now blends in with all these noises.
What are the main characteristics of the sound of Praia do Norte?
The sound of the sea is the sound mark of Nazaré, and the sound of the waves breaking on Praia do Norte is an iconic and non-transferable element that cannot be shared through images or videos. In the same way, the emotional connection between the Nazaré community and the sea transcends simple visual representation. This emotional relationship is largely mediated by sound, which acts as a symbolic and sensory link between the community and the ocean.
When I was a child, I was afraid of Praia do Norte. I remember it as a vast, empty place with a haunting sound. At that time, the noise of the wind and waves seemed stronger and more frightening. Without the presence of people, Praia do Norte transmitted a much stronger sense of respect and grandeur, perhaps because we liked to imagine it as an indomitable beach.
How do you recover an indomitable place?
Two years ago, during my master’s degree in Multimedia Art, I decided to go to Praia do Norte at dawn for a brief listening exercise. What I recorded that night brought back that old fear that terrified me from head to toe. That sound enveloped in darkness, in addition to fear and insecurity, reinforced my admiration and respect for that place. It was there that I rediscovered the grandeur of this soundscape and made its restoration my final master’s project.
A sound restoration?
Yes, you could say there was a sound restoration process. Through various field recording sessions, I identified noises and catalogued them as imperfections. These imperfections, which in some way symbolize emotional damage, tend to take us away from that natural environment. They are therefore eliminated in post-production. The final sound composition of this new soundscape now takes the form of an artistic object and finds its highest point in the sound of the giant wave. That’s why I consider the work of capturing and post-production to be an exercise of sound restoration, since the end result, the one I’m presenting to the public today, is that of a refurbished Praia do Norte, which is approaching its pre-Anthropocene era.
What is the purpose of restoring soundscapes, and what was the creative process involved in capturing the soundscape of Praia do Norte?
Restoring a soundscape is a way of recovering the emotional connection with a place, bringing back the original sounds that have been lost or eliminated. In order to capture the sound of Praia do Norte, I made several field recordings, covering the entire area from the northernmost point of the beach to the area with the highest waves near the fort. During these recordings it was possible to collect a multitude of sounds that made the listening exercise the most interesting part of the whole process.
As with the restoration of a painting, the proposal is to transform these recordings, which captured a noisy soundscape, into something polished, allowing the public to be presented with a reconditioned soundscape.
Where does the giant wave come into your installation?
The installation was conceived as a concert, with the sound of the wave serving as an encore, bringing the listening experience to a climax. The sound of the giant wave is presented through a vertical structure that can reach a height of 7 meters – or as much as the space allows – and which simulates its formation and breaking through a sculptural sound design. With the valuable collaboration of my friend and sound designer Elvis Veiguinha, I worked on the dynamics of the sounds captured, using exaggerated volumes that are fundamental to creating an intense and cinematic experience.
How far can the sound of this “Exported Wave” reach?
It can reach everywhere. Brazil, Japan, Canada… the videos and photographs of this wave have already made their way around the world, opening news programs, making newspaper covers and even advertising billboards in Times Square in New York… if the image of this wave has managed to reach so many people, I believe that its sound also has this potential.
At the moment, this sound installation can be heard in the beautiful village of Meymac, in the French countryside, at the thirtieth edition of the Première exhibition. It’s a group exhibition bringing together works by extraordinary artists whose originality and audacity have won my admiration. It will be at the Contemporary Art Center in Meymac from October 20, 2024 to January 12, 2025.